terça-feira, 22 de maio de 2012

A respiração no canto - Parte 2

A primeira parte deste texto você lê clicando AQUI

O processo respiratório no canto envolve uma série de músculos que precisam funcionar em harmonia - aqui voltamos à discussão da importância de desenvolvermos a coordenação motora do nosso corpo e a propriocepção (percepção de nós mesmos) para desenvolvermos esse, muitas vezes, novo comportamento, pois a maioria das pessoas não possui esse domínio – O diafragma é o músculo principal da respiração, os músculos intercostais (músculos situados entre as costelas), abdominais e mais alguns outros na região também tem participação decisiva, formando o que é chamado de apoio ou sustentação e suporte.
 
O diafragma é um músculo que divide o tórax do abdome, e é o grande responsável pela respiração. Ele tem formato de "paraquedas", e quando seu centro, que é rígido, se abaixa, contraindo, diminui a pressão de ar na caixa torácica fazendo com que o ar fora do corpo seja empurrado para dentro (por isso a falta de necessidade de puxarmos a inspiração com força, atitude que só ajuda a tencionar pescoço e laringe) esticando o tecido elástico dos pulmões, que são preenchidos de ar. Traduzindo, quando o diafragma desce, o ar entra.

Faça o teste de frente para um espelho, tente direcionar o ar para o tórax, elevando a clavícula, e depois para a região abdominal, sinta com as mãos a tensão que os dois tipos geram no pescoço e veja como a região dos ombros se comportam em cada um dos tipos de respiração.
 O vídeo mostra o diafragma trabalhando. Observe a 
movimentação das costelas associada ao do diafragma.

Quando a musculatura inspiratória (diafragma, intercostais, grande dorsal, etc.) é acionada, ela empurra os órgãos abaixo causando uma expansão na parte inferior do tronco para todos os lados, as costelas se abrem e, se permitirmos, o abdome “infla” (daí a ideia que alguns tem de que o ar vai para a barriga). Essa expansão na caixa toráxica reduz a pressão de ar dentro do pulmões, fazendo com que o ar que está fora do corpo (em pressão maior) entre.

O diafragma, que está abaixado, quer rapidamente voltar a sua posição de relaxamento empurrando o ar para fora, mas nós, cantores, podemos precisar desse ar dentro de nós por mais tempo que o normal, e é aí que entra a sustentação. Nesse momento os músculos intercostais e acessórios (oblíquos e abdominais) precisam trabalhar para manter tudo no lugar. Esse "apoio" dado pelos músculos intercostais (estre as costelas) e das costas terá a função de segurar a caixa aberta auxiliando no retorno controlado do diafragma para sua posição relaxada, impedindo a sobrecarga da laringe, que funciona como uma válvula para a saída aérea.

Os abdominais (barriga) entrarão em cena empurrando o meio do diafragma para cima expulsando o ar da forma desejada. Esse movimento abdominal é feito quase que inconscientemente após treinado e não pode ser exagerado, pois pode causar um grande aumento de pressão de ar contra a laringe, o que será bastante prejudicial. Portanto, a ideia de pressionar o o abdome para cantar pode ser muito perigosa, e pode ser responsável por grande parte do abuso vocal, e normalmente o é. Falei aqui do movimento abdominal para que você saiba o que acontece, mas você dificilmente precisará forçar esse movimento, ele é totalmente natural do seu corpo e ocorre normalmente quando a estrutura está bem montada.

Sobre a quantidade de ar necessária, quando  pulmão está cheio, eles fica mais pesado, e favorece o abaixamendo da traquéia (você encontra informação sobre isso procurando por Trachea Pull), diminuindo a força de fechamento das pregas vocais, auxiliando a uma emissão de ar menos comprimida, e isso pode ser pensado de acordo com a necessidade de cada frase musical e tendência de cada cantor.

Notem a necessidade de desenvolver a força (mas não enrijecer) e a coordenação de uma série de estruturas para que esse movimento seja possível e realizado de forma tranquila, algumas pessoas já o fazem naturalmente, outros precisam desenvolver esse mecanismo, e ele é facilmente gerado respeitando a necessidade de ar que a laringe possui, é ela que vai guiar quanto ar o pulmão envia, e não a força de abdome ou diafragma. Lembre-se que o abdominal faz força quando gritamos, defecamos, fazermos força, não quando cantamos, ao menos, não é necessário fazer.

Para isso a postura deve estar ereta (jamais travado) e o corpo precisa possuir resistência física para aguentar o trabalho intenso, é um comportamento novo que deve e pode ser aprendido por qualquer um. É como ir à academia, quanto mais você vai, quanto mais repete de forma correta, mais rápido ganha controle e agilidade.

Como mencionado anteriormente, é um trabalho integrado, uma parte ajuda e precisa da outra. O objetivo é a respiração livre e eficaz para o canto e o controle da emissão sonora, o método é o treino consciente e direcionado, não há truque para o sucesso, não há alento mágico, não há dicas especiais, apenas trabalho e dedicação.

A laringe vai regular a quantidade de ar necessária para cada canção ou estilo musical que estiver executando, e não o contrário, mas ela precisa da estrutura inspiratória e expiratória ajudando.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A respiração no canto - Parte 1


O estudo do canto é recheado de temas polêmicos, isso se deve a enorme quantidade de “achismos” que essa arte sempre se envolveu e de pesquisas que vem se envolvendo de algumas décadas para cá (como descrito os tópicos postados neste blog anteriormente sobre a história da voz e do canto). Um desses assuntos que geram discussões e debates entre professores de canto e entre professores de canto e cientistas da voz, e também entre cientistas da voz, é a respiração, o uso do apoio respiratório, ou qualquer nome que ele receba.

Antes de falar da respiração no canto é importante conhecer como funciona a nossa respiração, e por mais óbvio que isso pareça, não o é.
Ela consiste basicamente e fazer o ar entrar e sair, permitindo as trocas gasosas no pulmão, oxigenando o sangue e nos mantendo vivos, e é assim que vemos a respiração normalmente, se estamos vivos é por que estamos respirando, e não precisamos pensar nisso.

Porém, no canto a respiração ganha uma outra importância. O ar é a matéria prima do nosso som, é ele que vai vibrar e ser vibrado nas pregas vocais, na laringe, e dele sairá o som que queremos produzir. Pode ser um som longo, curto, fraco, forte, estável, instável, etc. Não vai bastar permitir que o ar entre e saia apenas, é preciso permitir que isso ocorra de forma eficiente.
O ar não vai pra barriga

Existem algumas maneiras dessa respiração acontecer na fala, ela pode ser:

  1. Torácica ou clavicular: quando estufamos o peito, erguendo a clavícula e os ombros na inspiração. Está associada à fala menos expressiva e aos exercícios,como na natação,
  2. Abdominal: aquela sensação de encher a barriga quando o ar entra. Utilizamos durante o repouso ou momentos de maior relaxamento ou meditação.
  3. Costo-diafragmática-abdominal (CDA): onde costelas, até nas costas, se alargam para que o diafragma possa descer e o abdome participar do processo de suporte e sustenação do ar. De maior interesse para o canto e a voz "projetada" em geral (atores, locutores, professores, palestrantes, etc.). Uma ótima base para gerenciar se o controle de ar éeficiente.
  4. Vertebral: a parte superior da coluna vertebral é acionada. Podemos ligar aos gritos, quando até tomamos impulso com o corpo para produzir o som e já vi também acontecendo com tocadores de instrumentos como o didgeridoo, enquanto praticam a respiração circular.
  5. Mista, que mescla alguns tipos, portanto não podemos considerar como um outro tipo diferente de respiração, mas surge em momentos mais intensos, em que o corpo todo se volta para aquela ação.
Plexo solar, no ponto verde, é projetado para a frente
durante a inspiração CDA 
A respiração costo-diafragmática-abdominal (CDA) no canto é a base do que é chamado de apoio respiratório, portanto, a mais utilizada por cantores treinados, e ela pode ser encontrada com diversos nomes, diafragmático, intercostal, costo-diafragmático, costo-diafragmática-abdominal, até mesmo abdominal, dependendo da escola do professor de canto, da capacidade de propriocepção do cantor, da fonte de informação de cada um, etc. Nesse tipo de respiração, é fácil sentir o movimento na região da altura das costelas mais abaixo e também da musculatura na altura do chamado plexo solar/celíaco.

O que vai definir a maior ou menor influência desses tipos de respiração, ou tipos de "apoios respiratórios", é a necessidade. Estilos musicais mais intensos, como ópera (e dentro da ópera temos várias escolas: italiana, alemã, francesa, etc.), rock, teatro musical, sertanejo, gospel, axé, etc., demandarão maior controle de emissão de ar e intensidade da pressão que o ar exerce sob as pregas vocais (chamada pressão subglótica - Psub). A perda desse controle sobrecarrega o trabalho laríngeo (veja as postagens sobre os registros vocais e modos de fonação), dificulta a estabilidade da produção da voz e facilita a fadiga vocal (cansaço das estruturas musculares ativadas no canto), consequentemente diminuindo a vida útil do cantor. Porém, como disse que é um assunto polêmico, existem algumas correntes pedagógicas que reduzem bastante a importância do tipo da respiração sobre o canto. É um tema cheio de discussão mas que no final das contas vai depender da necessidade de cada um.

Outro benefício da respiração "baixa" é a diminuição da ansiedade. Quando queremos nos acalmar, respiramos fundo, lentamente, é a base da yoga, meditação, e demais práticas "relaxantes". A respiração lenta e profunda diminui o ritmo cardíaco, reduzindo o estresse corporal e a afobação que a respiração rápida e superficial causa. Para o canto é imprescindível estar tranquilo para uma melhor performance. Para a vida as vantagens dessa respiração são incalculáveis. Pratique-a, mesmo que não for cantor.

E sobre a questão: respirar pelo nariz ou pela boca? Pense assim: Pelo nariz o ar é filtrado, aquecido e umidificado (ótimo para as pregas vocais), pela boca não, porém a entrada de ar da boca é muito maior que a do nariz. Portanto, se estiver cantando e tiver pausas longas o suficiente para inspirar pelo nariz, ótimo, caso contrário, deixe o ar entrar silenciosamente pela boca, ou até pelos dois em conjunto. Você terá maior conforto na região do pescoço e ainda pode inspirar já preparando os ajustes do som que vai emitir.

o texto não acabou, leia a continuação clicando AQUI

sábado, 19 de maio de 2012

Postura e condiconamento físico

Como mencionei no último texto, sobre técnica vocal e canto, existem fatores físicos que devem ser trabalhados para o melhor desempenho do cantor. Postura, respiração, articulação dos sons, controle muscular laríngeo, etc. Tais elementos fazem parte da nossa vida cotidiana, mas não da mesma forma que são usados para cantar.

Vivemos em uma sociedade agitada, com horários, compromissos, metas, escritórios, cadeiras desconfortáveis, computadores, televisão, videogames, sedentarismo, má alimentação, pressa, etc. Esse estilo de vida altera nosso corpo, muda nossa postura e, consequentemente, afeta o canto.

Uma má postura desalinha a coluna cervical, modifica a posição e funcionamento dos músculos, comprime órgãos e espreme veias e artérias. O corpo é interligado, uma massa uniforme que se move em conjunto, uma tensão em determinado ponto atinge todo o resto. Um pé torto gira a perna, que movimenta a bacia, alterando a posição da coluna e dificultando a respiração. A coluna desviada pode causar diminuição do espaço do estômago e intestinos, dificultando a digestão. A má postura comprime o sistema circulatório diminuindo a oxigenação de diversas partes do corpo, inclusive do cérebro, o que piora a capacidade de aprendizagem das crianças nas escolas, por exemplo.

Os efeitos negativos disso são vários e já muito estudados, eu ficaria meses listando como pode ser danosa à vida uma postura incorreta, mas vou focar o assunto na voz, que é o que nos interessa aqui.

Falei anteriormente que para cantar é preciso desenvolver o corpo como um todo, e a postura pode ser vista como um elo de ligação entre o todo, visto que ela pode prejudicar a oxigenação do sistema fonatório, dificultando seu trabalho. Pode dificultar a respiração limitando o movimento diafragmático e abdominal (próximo texto abordará esse assunto). Pode sobrecarregar o trabalho muscular do pescoço, que está diretamente ligado à laringe e as pregas vocais e altera a posição dos articuladores da voz (mandíbula, língua, etc.) criando tensão excessiva onde deveria haver liberdade, criando o que chamamos de desvios vocais, alterações que modificam as características sonoras do nosso instrumento vocal.
Observe os desenhos acima, tente deixar seu corpo nessas posições (talvez já esteja em uma delas) e produza um som qualquer, segure a vogal “A”, por exemplo, com o corpo em cada umas dessas posições. Repare como a postura altera o som final. Ombros rígidos, coluna arqueada, joelhos travados para trás, pescoço projetado para frente, para trás, corpo apoiado em uma perna só, etc. são algumas das posições que devemos evitar.

Os danos vão muito além, como esses fatores afetam enormemente a voz, o indivíduo passa a achar que não serve para cantar, que não tem aptidão ou talento para a coisa, simplesmente pelo fato de não se atentar ao fator corporal, ou não receber instrução correta a esse respeito, gerando, somado ao problema vocal, uma perturbação psicológica que acaba desanimando a pessoa, criando barreiras e empecilhos para que ela possa fazer o que gosta.

Aí entra a importância de um bom condicionamento físico, às vezes somente atenção à postura não resolve. Aquela coisa de mãe, “senta direito menino”, nos deixa eretos por 5 segundos, e depois o corpo é “largado” de novo. Talvez seja preciso mais do que atenção, talvez seja preciso exercício físico. E nesse sentido alguns são mais indicados que outros. Esportes que concentram força nos ombros não são muito recomendados por gerar tensão nessa região, como musculação, basquete, tênis, remo, etc. Já os alongamentos, técnica de Alexander, corridas e caminhadas tendem a condicionar o corpo sem enrijecer ombros e pescoço.

Estilos musicais como o rock, teatro musical, axé, heavy metal, variantes do gospel e sertanejo, etc. podem ser bastante exigentes fisicamente, como esportes de alta performance. Para tal, o condicionamento físico é mais importante ainda, tendo efeito direto sobre a resistência vocal e respiratória do cantor, principalmente durante performances ao vivo, onde a demanda energética é grande.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Aula de canto e aula de técnica vocal.

Existe diferença entre aula de canto e aula de técnica vocal ou são apenas nomes diferentes para a mesma coisa?
Essa pergunta pode ter duas respostas, sim e não. Complicado? Eu explico. 

Técnica vocal é a habilidade de controlar sua voz. O modo como o som será produzido, a variedade de timbres e cores que sua voz terá, A capacidade de executar sons mais fortes, mais fracos, soprosos, ásperos, irritantes, anasalados, metálicos, aveludados, espremidos, graves, agudos, longos, curtos, etc. vem do nível de técnica vocal que o cantor possui. Uma aula de técnica vocal trabalha o controle das estruturas que produzem e modificam o som, trabalha a respiração e trabalha os articuladores e ressonadores da voz. E vai além, a técnica vocal envolve postura e coordenação motora do nosso corpo, pois o canto o utiliza de formas incomuns, as vezes contrárias ao que estamos acostumados a fazer.


Cantar, segundo os dicionários, é emitir sons musicais, mas não é só isso. Cantar é uma forma de expressão, uma maneira de expor sentimentos, ideias, emoções. Cantar nos transporta para um mundo diferente, nos faz esquecer os problemas, de tudo ao nosso redor. O canto é comemoração, é luto, é louvor, é revolta, é brincadeira. Uma aula de canto trabalha canções, onde respirar, onde usar um tipo de voz, onde usar outro tipo de voz, a maneira de interpretar essas canções, colocando os sentimentos e emoções individuais do cantor em cada palavra, ou a maneira de adequar a voz do cantor a determinado gênero ou estilo de música.

Por essas razões podemos dizer que aula de canto e de técnica vocal não são a mesma coisa. Então por que eu disse que elas podem, sim, ser sinônimos?

Segundo o que escrevi acima, cantar é algo totalmente abstrato, pessoal e subjetivo. Não há como medir e desenvolver sentimentos, não há como ensinar a colocar alegria ou tristeza na voz, não há maneira de um professor, por meio de palavras ou instruções, ensinar um aluno a cantar uma canção sofrida ou vitoriosa e deixar essas sensações refletidas no som emitido.

Porém, a finalidade da técnica vocal é permitir que essas coisas aconteçam. Se um cantor tem total controle sobre sua voz, ele consegue produzir sons que remetem a essas emoções simplesmente utilizando a variedade de timbres que treinou e aplicá-los conforme seu bom senso ou a ocasião mandarem. Você pode muito bem pensar em um som vibrante e empolgante, mas se seu corpo não conseguir reproduzir sua ideia a emoção não será transmitida.

Digo que as duas coisas podem, e devem, se confundir, pois estão intimamente ligadas uma a outra. O sentimento depende da gama de possibilidades vocais para aparecerem, e a técnica elaborada depende do coração para ganhar vida. Nada mais chato que um músico (de qualquer instrumento) com técnica e virtuosismo e nenhuma emoção no som, nós achamos interessante, ficamos admirados, mas sempre vamos achar que faltou alguma coisa.

Muito se diz em aulas de canto que você deve "cantar sem esforço", "cantar sem pensar", "não pode sentir a garganta", "a voz deve sair livremente". Sim, isso é cantar, você não pensa se a laringe está com essa ou aquela configuração muscular, não pensa se seu apoio respiratório está funcionando, não quer saber se a forma criada pelo trato vocal corresponde ao som que quer produzir, apenas sente e canta. Livre, voando. É lindo!!! Porém não é possível que se faça isso sem que antes haja muito, mas muito trabalho. Antes da liberdade você vai treinar, ralar, malhar, suar, desenvolver seu corpo, levá-lo onde jamais esteve e ensina-lo a se movimentar de um jeito novo, vai fazer isso tanto, mas tanto, que uma hora será natural, será leve, será simples.

É importante, não, necessário, entender que existem etapas. Elas podem ser encurtadas com um treinamento adequado ou estendidas com treinamento inadequado, mas deverão ser cumpridas ou a falta de resultado levará o estudante a desistir de cantar, achar que "não tem jeito pra coisa" (leia os demais tópicos deste blog se você pensa isso).

A aula, chamada genericamente, de canto precisa unir esses dois elementos, objetivo e subjetivo, formal e abstrato, cérebro e alma. O trabalho técnico, de controle muscular, respiratório, domínio da coordenação corporal, articulação sonora, etc. é o pilar para a construção de um grande cantor, esse trabalho físico precisa de determinação e continuidade para atingir seu objetivo, que é liberar o corpo para que o coração e o espírito possam levar a voz a seu intento maior, tocar aquele que a ouve.

E assim são feitos os gênios, da mistura entre controle e liberdade.

terça-feira, 15 de maio de 2012

CoMeT 2012

Nos dias 13, 14 e 15 de abril deste ano foi realizado, pela primeira vez no Brasil, o CoMeT, simpósio do Collegium Medicorum Theatri.

O Prof Dr Hans Von Leden, em 1969, durante o IX International Congress of Otolaryngology, na cidade do México, convidou alguns médicos laringologistas com interesse especial em voz artística, particularmente cantores e atores, para fundar um grupo internacional de apoio e troca de conhecimentos na área. O saudoso Prof Renato Segre, da Argentina, sugeriu o nome Collegium Medicorum Theatri e sua abreviação CoMeT, para designar esta organização. Um collegium não é uma sociedade, mas sim um grupo de pessoas compromissadas com um propósito comum e que estabelecem uma relação de apoio e camaradagem. A organização, inicialmente composta apenas por médicos, expandiu-se como reflexo da realidade do mundo artístico, e atualmente é composta também por fonoaudiólogos, cientistas, voice coaches e preparadores vocais de diversos lugares do mundo, que prestam serviços em teatros, casas de espetáculos e conservatórios, ou que demonstram dedicação para a compreensão da complexa fisiologia e patologia da voz dos cantores e atores.

Um dos objetivos do CoMeT é encorajar pesquisas e estudos clínicos e promover troca de experiências sobre voz profissional. As reuniões deste grupo são geralmente restritas aos seus representantes; contudo, em algumas ocasiões, são oferecidos eventos abertos para disseminação de conhecimento e compreensão da realidade de um determinado país.

Em 2012, o Brasil foi contemplado com a oportunidade de sediar a reunião do CoMeT e o grupo diretivo aceitou o desafio de organizar o Simpósio do CoMeT em São Paulo, aberto ao público. Os principais temas de discussão, serão abordados em uma perspectiva essencialmente moderna e prática, incluem também a apresentação de casos e de trabalhos com grupos profissionais específicos e estão apresentados nessa programação. Estarão presentes no Simpósio do CoMeT 14 membros: Ronald Baken (Estados Unidos), Philippe Dejonckere (Bélgica), Per-Åke Lindestad(Suécia), Ofer Amir (Israel), Lucinda Halstead (Estados Unidos), Lesley Mathieson (Reino Unido), Josef Schlömicher-Thier (Áustria), John Rubin (Reino Unido), Erkki Bianco (França), Adi Primov (Israel), Matthias Weikert (Alemanha), Felix De Jong (Bélgica), Austin King (Estados Unidos) e Gu Lide (China). 

                                                           Eu entre os Drs. Ronald Baken e Per-Åke Lindestad

E foi um evento espetacular, onde alguns dos maiores especialistas em voz do planeta trocaram seus conhecimentos e nos deram um panorama de como está a pesquisa científica na voz atualmente. Foi uma experiência muito bacana onde ficou claro que estamos em um período de descobertas e experiências a respeito da voz, tudo o que temos é muito recente e muito há para se entender ainda. Creio que o melhor foi constatar que a metodologia de ensino que sigo, e que aprendi, está bastante atualizada, e é capaz de lidar com qualquer tipo de problema técnico vocal que os alunos tenham e oferecer soluções de fácil compreenção e realização. Ótima oportunidade tambám para conhecer pessoas que tem o mesmo objetivo, estreitar laços e rever amigos. Uma pena não ter visto tantos professores de canto ou cantores por lá como vi fonos e otorrinos, é nosso papel pesquisar e entender como as coisas funcionam para dar aos alunos o melhor suporte possível. 

Fiquei muito contente ao ouvir de todos os participantes, do mundo inteiro, aquilo que prego e acredito, que QUALQUER UM É CAPAZ DE CANTAR, só precisa de dedicação, paciência (responsabilidades dos alunos) e treinamento adequado (responsabilidade minha e dos professores de canto).

Você encontra detalhes da programação e das palestras no site do CEV - Centro de Estudos da Voz

Aquecimento vocal

Sempre que alguém entra em contato comigo sobre aulas de canto eu pergunto se tem costume de aquecer a voz antes de aulas, ensaios, apresentações, etc., e é impressionante a quantidade de gente que não tem esse hábito ou não sabe por que aquecer a voz é tão importante.

Existem inúmeras pesquisas científicas que mostram a importância e necessidade do cantor se preparar aquecendo a voz por diversas razões, fisicas e até psicológicas.

Assim como para qualquer esporte ou atividade muscular de maior exigência, o aquecimento vocal é indispensável antes dos estudos, aulas, ensaios e apresentações. Além de nos preparar para um desempenho mais eficiente do canto ele ajuda a garantir a saúde e longevidade do nosso instrumento, a voz.
Ele proporciona os ajustes neurofisiológicos para o canto (turbina o cérebropara enviar cada comendo necessário paras as regiões corretas da produção vocal), aperfeiçoa o tônus muscular onde precisa de força e relaxa a musculatura onde precisa dealívio, e ajusta o fluxo aéreo da respiração. Além disso, estimula a propriocepção (a capacidade de sentir a si mesmo), aumenta o fluxo sanguíneo para as pregas vocais e relembra os aspectos técnicos da emissão. Além disso, muitos cantores relatam que após o aquecimento se sentem mais confiantes, concentrados e preparados para atuarem, o que é imprescindível.
Esse aquecimento da voz é feito por meio de exercícios de alongamento e relaxamento de todas as partes envolvidas no canto e no corpo, como um todo, corrigindo a postura, tranquilizando a respiração, diminuindo a ansiedade (que as situaçãoes de canto estão normalmente envolvidas) e mudando os ajustes vocais da voz falada para a voz cantada (bem mais intensa e com maior exigência).

A preparação vocal tem como objetivo uma melhora no som produzido pelos cantores, com maior qualidade harmônica (sommais cheio, mais vivo), menor sobra de ar (voz menos soprosa), maior flexibilidade para as pregas vocais se encurtarem ou esticarem (durante a produção de graves e agudos) e melhora na intensidade e articulação dos sons.

Outra coisa a ser levada em consideração é que cada cantor ou cada tipo de repertório terá necessidades e exigências diferentes, portanto, o aquecimento terá maior efetividade se for pensado individualmente e de forma específica para o que será executado.

Ao final do período de utilização da voz é importantíssimo também o desaquecimento vocal, falaremos disso depois.

Não seja preguiçoso com sua voz!!!

OK, vou fazer aula de canto. Lírico ou Popular?

Muitas pessoas tem a dúvida: “Devo estudar canto lírico ou canto popular? Qual o melhor?”

De acordo com artigos publicados por Jeannette Lovetri em junho de 2011 as diferencias na produção vocal e no som final, consequentemente no estudos, são enormes, e são as seguintes:

O canto erudito surgiu nas cortes da nobreza e na igreja e foi desenvolvido para o entretenimento e serviços religiosos. A técnica trouxe a beleza e a força necessária para os cantores serem ouvidos facilmente e levou séculos para se tornar popular entre as pessoas “comuns”.

O canto lírico necessita de volume, entre 110-120 decibéis (para se ter uma ideia, um caminhão chega a 100 dB, acima de 85 dB a exposição contínua pode causar danos aos ouvidos), a faixa de frequência da ressonância da voz que deve ser amplificada está entre 2800 e 3200hz (o chamado “formante do cantor”. É o que permite que um cantor seja ouvido através de uma orquestra, que ressoa aproximadamente em 900hz). O som normalmente tem um vibrato que pode variar de ¼ de tom pra cima e pra baixo ou às vezes 1 semitom em passagens mais expressivas.


O som deve ser brilhante, quente, poderoso, mas também flexível e aveludado, não duro. As consoantes devem ser claras durante a maior parte da extensão de notas. A boca deve abrir tranquilamente nas notas altas e fortes (frequência e intensidade), mas rosto e pescoço não podem ficar contorcidos. A mandíbula deve se mover livremente. O som deve ser claro, não ofegante ou nasal em um corpo forte e também alinhado.

As pesquisas indicam que a laringe deve ficar em uma região mais baixa no pescoço e as pregas vocais são pressionadas firmemente quando se canta. Nas mulheres o registro alto (voz de cabeça) deve ser forte e predominante, diferente dos homens, que tem domínio da voz de peito (registro baixo).

No repertório deve se aprender diferentes nuances entre estilos do canto lírico, épocas, países, compositor, tradição e língua cantada (inglês, alemão, francês, italiano, etc.).

Um bom cantor lírico deve ter pelo menos 2 oitavas de tessitura (região confortável e de maior proveito cantar), um cantor popular pode não precisar de tanto, mas seria bom ter.

No canto lírico, normalmente, não se usa amplificação eletrônica (microfone). Não se altera o tom nas óperas, mas pode-se alterar para recitais e a margem de modificação rítmica e de improvisação deve obedecer a uma série de regras de acordo com o que se canta. Geralmente os “cantores clássicos” treinam até encontrarem um determinado tipo de voz que se encaixa em um determinado tipo de papel nas óperas, com timbres, cores e peso específicos. Alguns conseguem se encaixar em mais de um tipo de papel ou mudar de um para outro.

Já o canto popular...


Com poucas exceções, o canto popular (teatro musical, jazz, rock, pop, gospel, R&B/soul, country, folk, rap, alternativo, sertanejo, etc.) surgiu da voz falada. Na maioria dos casos servia para satisfação pessoal ou cantada na comunidade para o entretenimento, com forte influência da cultura negra, e normalmente é utilizada a linguagem coloquial ou regional.

Cada um dos estilos também tem suas características específicas em termos de expressão musical, forma e tradição. O jazz influenciou o blues, R&B, rock, soul, pop e gospel (este é mais antigo, e derivado dos “Negro Spirituals” cantado no sul EUA em 1800).

Uma das formas de emissão primarias, encontradas no teatro musical, rock, pop, blues, etc. é o Belting. Ainda há muito a ser estudado sobre isso e muita controvérsia no assunto, mas o que sabemos até hoje é que as pregas vocais, assim como no lírico, se fecham fortemente, mas aqui a laringe se encontra um pouco elevada (não pode ser exageradamente), e isso muda a forma do trato vocal. É necessário um condicionamento muito bom para aguentar tal estresse vocal, mas deve-se sempre buscar fazê-lo sem tensão ou constrição na garganta. O som é forte, mas produzido livremente, o que o diferencia de um grito, e muitas vezes possui vibrato expressivo.
O som do belting geralmente é claro e pode ir para muito agudo. Às vezes se assemelha a um trompete, pode não ser “bonito”, mas é poderoso, emocional e impressiona.

A produção de som mais leve não necessita de respiração forte, mas ainda é importante desenvolver para ajudar com a saúde vocal, resistência e expressividade. Esse tipo de som depende muito de microfone e pouco de volume do cantor (como na Bossa Nova).
Desde o começo do século XX a música popular tem sido amplificada por microfones, o que possibilitou que pessoas com vozes de menor volume pudessem seguir carreira.

A pronúncia pode ou não ser coloquial. Dependendo do estilo a pronuncia muito precisa é considerada estranha. O vocalista pode ou não ter vibrato, que pode ir e vir quando quiser. O som pode ser claro, ofegante, ruidoso ou nasal, dependendo do artista e do estilo. Diferente do canto lírico, o popular pode usar sons barulhentos, soprosos, comprimidos, distorcidos, etc. As interpretações das canções podem variar em ritmo, melodia, harmonia, forma, estilo e até mesmo na letra.

O rock necessita de um bom equipamento eletrônico e é muito exigente fisicamente, no pop é esperado que o artista dance. Country, folk, sertanejo, quase sempre contam estórias. R&B e gospel tem uma série de ornamentos melismáticos (mudanças de nota na mesma sílaba).

O teatro musical varia um pouco, desde os mais antigos (legit) com influência do canto clássico e depois com influência dos outros estilos da música popular (rock, jazz, gospel, etc.).

As semelhanças...

Todos possuem uma laringe, duas pregas vocais, uma garganta, língua, mandíbula, boca e lábios, um par de pulmões, torso e cérebro. Os sons são feitos pelas mesmas partes e do mesmo jeito, o ar sai, as pregas vocais se fecham e vibram em uma nota (frequência). Várias pesquisas sugerem que o mecanismo funciona melhor quando o corpo está alinhado e ereto, e a respiração deve ser calma e profunda, sem tensão.

São poucos os cantores que conseguem transitar entre os estilos de uma forma eficiente. Muitos dos que tentam migrar acabam soando totalmente fora de contexto. Portanto, se você quer cantar ópera, faça aulas decanto lírico. Se você quer cantar qualquer estilo de música popular, faça aulas de canto popular pensando na especificidade de cada estilo.
Mas se você quer cantar lírico e popular sua dedicação terá ue ser dobrada, você terá que estudar as duas formas, e não apenas uma e cantar a outra do mesmo jeito, é isso que deixa o som deslocado no contexto.

Fuja de quem diz que é a mesma coisa ou de quem não sabe diferenciar um do outro, tenha em mente que é a sua voz, a sua expressividade e sua saúde vocal que estão em jogo.

Só para profissionais?

Segue abaixo reportagem da Folha falando sobre os benefícios que o canto ocasiona.
- Cantar melhora capacidade pulmonar, fortalece músculos e relaxa
MANUELA MINNS - COLABORAÇÃO PARA A FOLHA


Cantar é divertido, quem não sabe. E é bem mais que isso: mexe com várias partes do corpo, faz bem à saúde.

Para começar, quem canta melhora a capacidade pulmonar e o sistema imunológico, fortalece a barriga e alivia o estresse.

O professor Graham Welch, especialista em Educação Musical da Universidade de Londres e pesquisador, diz que o canto ativa o corpo e a mente.

Cantar é uma atividade física, psicológica, social e musical. Diferentes sistemas modulares no cérebro são usados para lidar com as características musicais do canto, como o tom, o ritmo e as letras, e integrá-las.

"Há um entrelaçamento dos sistemas nervoso, endócrino e imunológico", diz ele.

O sistema nervoso é responsável pelo ato de cantar. Há também um envolvimento emocional com o som humano, desenvolvido na fase fetal, e um diálogo da pessoa com seu corpo, seu sistema respiratório e os espaços que oferecerá para essa voz soar.

"Cantar não é só da boca para fora. Todo instrumento tem espaço interno e externo de ressonância, inclusive o corpo. A voz preenche o corpo, a melodia e a letra que escolhemos", diz a fonoaudióloga Mônica Montenegro, professora da USP.

A neurologista Paula Viana Wackermann, que desenvolveu pesquisa pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto com cantores líricos, diz que a atividade induz a um estado de prazer.

O nível de cortisol (hormônio do estresse) fica reduzido, não importando se a pessoa é afinada ou não.

"A sensação de bem-estar é aumentada pelo efeito sociopsicológico de fazer música como parte de um grupo", completa Welch.

Mesmo quem canta sozinho, acompanhando um CD ou iPod, sente esses benefícios. O sentido de se envolver em uma atividade compartilhada permanece.

"Cansei de chegar triste ao karaokê e sair de lá muito bem", diz Jane Tapxure, 62 anos, dona de um pet shop.

Com o fim do casamento de 30 anos, ela passou dois anos deprimida, chorando no sofá. Até que uma amiga a chamou para cantar.

Jane, que é fã de música italiana e Frank Sinatra, conta que voltou a sair de casa e a se arrumar. No karaokê, ela formou um grupo de amigos de idades variadas, que se encontra toda semana, comemora aniversários e faz festas temáticas, como Halloween e até do pijama.

"É uma farra. Lá você não é julgado por ninguém."

IMUNIDADE

A cantoria ativa os sistemas cardiovascular e respiratório. O aumento da ventilação e da capacidade pulmonar melhora o condicionamento físico e mental.

Os músculos abdominais ficam fortalecidos e os faciais, tonificados. Estudos sugerem que cantores têm sistema de defesa melhor.

"Acredita-se que estados mentais positivos e de relaxamento induzidos pelo canto sejam responsáveis por um aumento na secreção da imunoglobulina A, responsável pela defesa contra infecções bacterianas ou virais das vias aéreas superiores", explica a neurologista Paula Viana Wackermann.

Mesmo quem não quer ou não está em condições de soltar o gogó pode se beneficiar da cantoria alheia.

"Estudos apontam que escutar músicas prazerosas está relacionado à liberação de serotonina, que é o neuropeptídio da alegria, do prazer", afirma a neurologista Paula Wackermann.

O ato de fazer o bem ao próximo por meio do canto é praticado pelos hindus há séculos. As sessões de "kirtan", que são vocalizações de mantras em grupo, com instrumentos, são vistas como um ato de doação.

MEDITAÇÃO

A professora de canto indiano Ratnabali Adhikari, natural de Calcutá, Índia, explica que entoar mantras é um tipo de meditação.

Os mantras têm uma sequência sonora e uma representação significativa.

Quando cantados repetidamente, é como se mandássemos sinais positivos para os neurônios que, por sua vez, levam essa mensagem para o corpo todo.

"O mantra ajuda a focar a mente e deixá-la em equilíbrio com o corpo."

"Ao cantar em grupo, as pessoas fazem bem a si mesmas e, espalhando essa harmonia pelo universo, beneficiam todos os outros seres", diz Ratnabali, que vive há 30 anos no Brasil.

A professora afirma que é preciso inspirar profundamente e, na expiração, entoar o mantra.

A coluna deve estar ereta para a energia vital, chamada de prana, fluir.

Entender o que se está cantando e pronunciar direito as palavras para não trocar seus significados é legal, ajuda a potencializar os benefícios dos mantras, segundo a professora indiana.

Mas não é preciso falar sânscrito nem entender a letra para tirar proveito de uma boa cantoria.

Quanto tempo demora para aprender a cantar?

Essa é a pergunta principal de todo iniciante. Todo aluno quer saber em quantas aulas ele vai ter domínio da técnica vocal, ou quanto tempo vai demorar para "aprender a cantar".


Não existe uma resposta única para esta questão, depende de inúmeros fatores, como: Em qual estágio de desenvolvimento cada um está, qual nível de experiência musical cada um tem, quais vícios vocais a pessoa possui, qual o grau de interesse que ele tem em aprender, o quanto este aluno vai se dedicar e como vai receber os estimulos oferecidos pelo professor, ou mesmo, o quanto o professor consegue estimulá-lo da melhor forma.

Cada aluno chega na primeira aula com um estágio de desenvolvimento único, não existem dois iniciantes iguais, ou dois alunos que já cantam há 10 anos que tenham a mesma voz, as mesmas qualidades e pontos a serem corrigidos. Alguns já estudaram anos, outros nunca cantaram nem mesmo no banho, alguns participaram de alguns corais amadores, outros se divertem nos karaokes. O importante é perceber o que cada um tem de qualidade e partir delas.

Existem pessoas que têm mais facilidade para aprender quando está começando a cantar, já vem de família de músicos, ou tocam alguns instrumento, ou tem o hábito de ouvir muita música e cantar descompromissadamente, e isso cria no indivíduo um lado musical que desenvolve ritmo e afinação de uma forma muito mais fácil do que alguém que tem pouco ou nenhum contato com a música. Eu mesmo, comecei a cantar acompanhando os CDs (e até K7s e discos de vinil) que gostava (na época não tinha MP3.. é a idade, hehe) sem o menor conhecimento de técnica ou coisa do tipo, cantava por que achava divertido, e essa é a razão por qual todos começam, acredito. Depois fui estudar, cantar em coro amador (CoralUSP) onde tive contato com professores incríveis (Sandra Espiresz e Fernando Coutinho Ramos, além de outros), que entendiam muito de voz e me ajudaram a desenvolver e me interessar pelos caminhos da voz.

O importante é saber que mesmo quem tem pouca experiência musical também pode aprender a cantar, também pode se desenvolver, por que experiência depende de vivência, única e exclusivamente.
Nossa vida é corrida e muito atarefada, estamos sempre estressados e tensos e isso é refletido em nossa postura, respiração, comportamento muscular e, obviamente, na forma com que vamos cantar. Esses vícios da vida comtemporânea dão enorme trabalho para um aluno que quer estudar canto. É incrível perceber que quando trabalhamos estes fatores externos a qualidade de vida melhora, os benefícios vão além de simplesmente aprender a cantar, mas vou deixar o assunto para outra oportunidade.
Vícios também são adquiridos quando cantamos por tempo prolongado sem perceber como o fazemos. É possível cantar com muito esforço e prejudicar a voz e nem mesmo ter consciência disso, isso acontece muito quando a saúde vocal e o condicionamento e equilíbrio da produção da voz não são levadas em consideração no estudo ou na prática do canto.

Além de tudo isso, o tempo que o aluno vai demorar para ter uma boa técnica vocal e dominar seu instrumento depende do professor. Cada pessoa reage de um jeito a determinada informação, por isso as instruções abstratas como "cante para trás", "faça a voz sair pelo topo da cabeça", "feche os olhos e cante com o coração", etc. não surte efeito em todos, e o professor deve saber lidar com cada um de forma específica, identificando quais pontos devem ser trabalhados e como fazer o aluno compreender o que está fazendo para conseguir reproduzir deliberadamente.

Quando o professor conseguir atingir o local certo em cada um, deve-se saber que o canto é, antes de mais nada, trabalho muscular. Não adianta só querer fazer determinado movimento, é preciso condicionar o corpo para isso. O bebê não nasce e sai correndo, e não é pq tem preguiça ou não quer, ele não consegue, ele precisa desenvolver os comandos neurológicos para as pernas, e desenvolver os musculos para, depois de sentar, ajoelhar, engatinhar, levantar e cair muitas vezes, finalmente conseguir andar. Com o canto é a mesma coisa, utilizamos nosso corpo de forma não usual e ele precisa ser condicionado, e isso só é possível com muita repetição (da forma correta, sem agredí-lo) e paciência.

Aí entra a parte do aluno. Não se aprende a andar com uma hora de tentativa por semana, não se aprende a ler com uma hora por semana, não ganhamos massa muscular na academia, aprendemos a dançar, nem mesmo vencemos um jogo de videogame com uma hora por semana. Por que seria assim com o canto ou outro instrumento musical?

É preciso conhecimento, percepção, dedicação e paciência. Com esses ingredientes não tem erro, pode demorar mais ou menos, de acordo com cada pessoa, pois somos todos diferentes, mas o resultado sempre será positivo, sempre.

Sem essa de não tenho talento, você pode ter preguiça ou direcionamento ineficiente, treinamento inadequado, etc. mas se não tiver nenhum problema de saúde vocal, físico ou mental (muitas vezes tratáveis) ,você chega lá. Acredite.

Aula de canto é uma enrolação

Foi isso o que um amigo músico e professor de inúmeros instrumentos musicais me disse outro dia. Mas ele não disse por sacanagem, ou por arrogânca ou nada do tipo, ele simplesmente expressou a opinião que teve após conhecer algumas aulas, e foi a mesma impressão que sua esposa teve quando quis se aventurar a cantar. Sim, muitas pessoas dizem e/ou pensam o mesmo.

"Aula de canto é muito abstrata" disse ele. Concordo, as aulas de canto eram muito abstratas quando a ciência vocal não havia se desenvolvido, afinal de contas, é difícil ver o instrumento (pregas vocais) funcionando.
A tecnologia avançou e nos possibilitou ver como as pregas (e não cordas) vocais vibram, outros equipamentos foram desenvolvidos, e estão em desenvolvimento, e finalmente agora começamos a entender como a voz é produzida e como ela é utilizada para o canto.
Muita coisa ainda está para ser desvendada, mas o que já se sabe é mais do que suficiente para direcionarmos as aulas de canto de uma forma mais concreta e funcional.

Certa vez um aluno me confidenciou que não gostava de fazer aula porque o professor pedia coisas como "cante para trás", "cante por cima da cabeça", "faça a voz sair pela testa como um raio", etc. e frases que não fazem o menor sentido até que você entenda o que é pedido, e na maioria das vezes a pessoa desiste de cantar por nunca conseguir entender, ele aacaba achando que o errado é ele, e não quem não consegue transmitir a informação de forma sensata.

Antigamente, quando não haviam os estudos mais específicos, o canto era guiado por sensações, como as citadas acima. Utilizavam figuras de linguagem (as metáforas já comentadas) para tentar controlar o que não conseguíamos ver ou não entendiam com certeza. Mas os tempos mudaram e hoje o mundo é mais prático, as aulas de guitarra são práticas, as aulas de bateria são práticas, as aulas de canto também evoluíram, elas não são (ou não deveriam ser) como antes.

As aulas de canto jamais serão enrolação quando cada momento for explicado e cada exercício vocal tiver sua função e não apenas vocalizes-retirados-de-livros-que-alguém-disse-serem-ótimos-apara-a-voz, ou exercícios de respiração que não se sabe o que ou pra que servem (coma a velha "respiração diafragmática", como se TODA respiração não fosse realizada pelo diafragma.), etc.
A aula de canto é para o aluno conhecer, formar e desenvolver seu instrumento de uma forma direta e real, respeitando sua fisiologia, seu tempo e estágio, seus interesses na música e principalmente sua inteligência, o aluno deve, e quer, saber o porque está realizando cada atividade. "Siga o mestre" não convence mais.

Conhaque aquece a voz?

Ainda escuto esse tipo de pergunta. Vamos ver o que a Dra. Mara Behlau diz sobre isso em seu livro Higiene Vocal (recomendo)

"As bebidas alcoólicas, principalmente destiladas, causam irritação no aparelho fonador semelhante a do cigarro e reduz as respostas de defesa do organismo, tornando-o mais frágil e suscetível a problemas.
O álcool faz o indivíduo se sentir mais solto e provoca uma leve anestesia na faringe, o que faz algumas pessoas acharem que beber é bom para a voz, fazendo com que elas causem danos às pregas vocais que serão percebidos quando o efeito da bebida passar."

Ou seja, o álcool deixa a pessoa mais desinibida, mais alegre, diminui a sensibilidade na garganta, irrita e fragiliza o aparelho fonador.
O cara vai, toma um "gorozinho" antes (e muitas vezes aquela cervejinha gelada durante) faz o que quer no palco, ou em casa, ou no estúdio (sem o controle exato do que está fazendo) e na hora que passa o efeito fica só a coceira, a laringe arde e o cidadão acorda rouco no dia seguinte.

"Tá tudo bem" pensa ele, "não vou ter cantar hoje mesmo" ou então "não sou cantor profissional, posso ficar sem voz". E ele segue assim até desenvolver algum problema sério e que necessite de tratamento médico ou até intervenção cirúrgica.

Mas só tem uma pessoas que saberá se vale o risco, você.


Cuide da sua voz, ela é única.

Recentemente me procurou um aluno para uma aula teste.

Ele se apresentou dizendo seu nome, e foi difícil entender, estava totalmente rouco.
Disse que canta na noite, toda sexta, sábado e domingo. 8 horas seguidas na sexta e no sábado e 4h no domingo, por 6 anos seguidos. Nunca fez aula, trabalhou técnica e, consequentemente, jamais fez qualquer tipo de aquecimento ou desaquecimento vocal antes e depois das longas peformances.
"Antes eu acordava ruim na segunda feira mas tinha até sexta e conseguia me recuperar, mas de uns tempos pra cá está cada vez pior" ele disse.
Obviamente o orientei a procurar um otorrino, afinal, já estava rouco há 2 meses.

É impressionante ver como profissionais não cuidam de seus instrumentos de trabalho (não apenas me referindo à música), especialmente no canto, onde a voz é usada para trabalhar e antes de tudo para a vida, a comunicação.

Nós cantores (além de atores, telefonistas, professores, etc.) utilizamos a voz de uma maneira muito mais intensa que a maioria das pessoas e precisamos saber como fazê-lo de uma forma saudável, sem provocar danos, que podem ser permanentes.

Não é normal que após uma aula, ensaio, apresentação, ou qualquer momento em que a voz tenha sido mais exigida, você saia sentindo dores, coceiras, formigamentos, rouquidão, alguns sentem até gosto de sangue na boca (cuidar disso não é frescura!!) . As vezes uma boa noite de sono recupera um inchaço ou cansaço maior (sim, os músculos responsáveis pela voz se cansam com o uso extremo, assim como qualquer outro do corpo) mas se isso se tornar uma rotina, cedo ou tarde o corpo não aguentará mais.

Se você costuma sentir esse tipo de coisa após cantar procure um especialista, veja como anda a sua saúde vocal e se tiver algo errado, descubra a causa, procure alguém que possa te ajudar a desenvolver hábitos mais saudáveis para seu canto.

Se você canta, mesmo que não sinta nenhum sintoma citado, faça uma consulta periódica, cuide do seu instrumento, pois só temos um.

Se passou por algo parecido, conte seu caso.
Até a próxima...

Como se tornar um grande cantor em poucos dias, método milagroso!!!

Hoje em dia a informação está fácil, é só abrir o Google e pesquisar o que quer saber e, por alguma razão, as pessoas começaram a achar que é tudo assim, fácil, sem esforço.
Perdi as contas de quantas vezes pessoas me pediram "dicas para cantar", querem aprender a cantar apenas seguindo alguns passos mágicos, algumas até esbravejam.

Quando alguém me aborda com coisas do tipo "Me diz aí, como eu faço pra cantar? Só me manda uns exercícios que eu me viro, quero muito cantar". Eu respondo sempre da mesma maneira. Não adianta eu "mandar exercícios" pois eles não servem pra nada. O que importa não é o tipo de exercício vocal que você faz, e sim COMO você o faz.

Imagine que alguém te peça "algumas dicas" para levantar peso. Você vai responder oq? Comece com pesos pequenos? Pegue um haltere e e levante-o com o braço 10 vezes seguidas? Não, vc vai virar pro cara e mandar ele procurar um profissional, alguém que possa orientá-lo da melhor maneira, pois todos sabem o dano que uma atividade física mal feita pode causar para o corpo, e adivinhem só.. com o canto, a voz, é A MESMA COISA.

Se eu passo um exercício e vc faz de forma errada e aprende assim causando danos a sua voz, que tipo de profissional serei eu? Você pode ser um auto-didata, mas se quiser orientação, procure orientação de verdade, alguém que possa reconhecer o que sua voz de para ser corrigida ou aperfeiçoada, alguém que saiba como a voz funcione e ajude você a tirar o máximo dela.

Hoje em dia existem inúmeros vídeos no youtube, livros, métodos ou blogs com receitas místicas para criar grandes astros, e cada vez que eu vejo uma dessas mais eu tenho noção que muita gente vai se frustrar um dia, ou vai achar que aula de canto é enrolação ou que é desnecessária pois cada "professor" diz uma coisa e manda fazer isso ou aquilo, mas ninguém explica porque, ninguém mostra como funciona e para que serve cada coisa, ninguém mostra onde aprendeu, simplesmente joga frases sem sentido, e você, q quer aprender a cantar mas não sabe por onde começar acredita que os problemas acabaram. Talvez estejam apenas começando.

Infelizmente não se forma um cantor (ou guitarrista, baterista, baixista, um advogado, um dentista, um cozinheiro, etc.) em rápidas lições, em um mês, em poucas aulas. Exige esforço, dedicação, paciência e conhecimento. Uma boa orientação pode ajudá-lo a encurtar o percurso, mas não existem atalhos.

Portanto, quando você precisar tratar alguma doença, não procure a cura no google, vá a um médico. Quando você quiser emagrecer, não leia a dieta da Capricho, procure um especialista. Quando quiser aprender a cantar não procure a solução mais rápida, a mais fácil, mais próxima ou mais barata, procure a melhor.

Você está lidando com seu corpo, com suas emoções e sonhos, trate-os bem, a recompensa aparecerá.

Metáforas no ensino do canto

Agradecimentos à fonoaudióloga Camila Loiola por me colocar em contato com a pesquisa da Dra. Joana Mariz de Sousa, Marta Assumpção de Andrada e Silva e Léslie Piccolotto Ferreira, que deram origem, e embasamento, ao texto a seguir.

“Jogar a voz no topo da cabeça”, “colocar o som na máscara”, “focar a voz em um raio”, “sentir a vibração”, “sentir o som saindo pela testa”, etc. Quem nunca ouviu frases desses tipos em aulas de canto?

Por séculos (no século XV surgiram os primeiros tratados sobre o canto) o ensino vocal foi baseado em imagens e metáforas como as citadas acima, o cantor que obtinha sucesso pegava suas sensações e ideias e transmitiam para os alunos, que, se bem sucedidos, passariam essa experiência para seus futuros alunos. Desta forma surgiram gênios do canto ao longo dos séculos. Pessoas que entendiam as metáforas e absorviam as experiências do professor e seus exemplos (a eulalia, quando o aluno canta copiando o professor, sempre foi muito comum), reproduzindo o canto de uma forma magistral, esses eram consideradas talentosas, tinham o "dom de cantar", e fizeram grande sucesso.

Até então, quem não tinha o “dom”, não servia para cantar, deveria procurar outra coisa pra fazer, e os professores nem queriam dar aulas pra quem não tivesse essa “facilidade em aprender”, pois consideravam "tempo perdido", e ainda hoje, alunos chegam a meu estúdio perguntando se "tem jeito ?".

Na segunda metade do século XX, com o aperfeiçoamento da tecnologia e da ciência vocal, pesquisadores começaram a compreender mais precisamente como a voz é produzida, descobriram uma série de fatores relacionados ao canto, muitos ainda polêmicas, e continuam estudando, e assim as metáforas começaram a ser traduzidas, e a “facilidade” começou a ser considerada menos vital, já que com instruções mais práticas, e conhecendo a função de cada uma delas, foi possível ver o desenvolvimento de cantores que trocaram o talento pelo treino e dedicação. Infelizmente essa não é a regra e não há consenso, não são todos os professores que estudam e entendem a voz para dar aulas, boa parte ainda se utiliza da percepção, do som que gira, que vai e vem, e busca por "talentos".

Em um outro tópico falarei das pessoas que acham que a aula de canto é uma enganação, e vejo muitas pessoas achando isso, ainda mais quando já tocam algum outro instrumento, e isso se deve ao fato de que, para tocar guitarra, bateria, violino, gaita de fole, etc. Ele não vai precisar pensar em imagens abstratas ou utilizar a imaginação para extrair o som que deseja, apenas conhecimento do instrumento e treino para desenvolver a técnica. Alguns diriam que “o instrumento voz não é visível e deve ser imaginado apenas”, ele não é visível por fora, em grande parte, mas está lá e pode ser sentido e ouvido, ele existe tanto quando uma harpa ou baixo, apenas deve ser trabalhado dentro do corpo.

E se alguém pedir para “cantar como em uma catedral”? O que vem à cabeça? - Eco? Alegria no domingo com a família? Exaltação e louvor? Tédio? Luto? Casamento? Divórcio? - Cada indivíduo é único e tem suas próprias experiências e história, uma imagem nunca será a mesma para duas pessoas.
“Imagine que está na praia e deixe a voz fluir com as ondas”, bonito, não é? Calmo e pacífico talvez? E quem só viu a praia no carnaval ou ano novo? E quem quase se afogou no mar? Talvez não tão doce saia esse som.
“Cante como o voo de uma borboleta” Um grande amigo meu tem FOBIA a borboletas, ele não gostaria dessa.

O que se vê muito ainda hoje é o professor dando o exemplo para o aluno que tenta copiar, e quando consegue é incentivado a seguir fazendo desta maneira, não como é melhor pra ele, mas como é feito pelo professor, sem respeitar as diferenças de cada um e sem saber o que, ou por que, está fazendo, apenas segue as orientações e espera dar certo no final.Muitas vezes ele consegue reproduzir nomomento, mas depois não mais.

O artigo mencionado no começo segue dizendo que essa forma de ensino por sensações se deve ao fato de uma confusão entre fonte sonora e ressonância. Muitos ainda utilizam os termos voz de peito e voz de cabeça relacionando com uma vibração da voz no peito ou na cabeça, e agora cito o texto.

“Autores relatam que o termo ressonância tem realmente causado muita confusão no ensino de canto. O cantor tende a confundir a fonte sonora com a sensação que o som da voz cantada pode causar em diferentes partes da cabeça. Sem dúvida uma dada sensação corporal despertada pela voz possui um ajuste fonatório correlato, que causa a amplificação de determinadas frequências sonoras em detrimento de outras. Porém, isso não quer dizer, por exemplo, que tal sensação venha da circulação real do ar pelos ressonadores ou que o som esteja de fato “girando” pelas cavidades da cabeça antes de sair pela boca, como descreve uma das imagens mais comumente encontradas no ensino do canto.
As sensações vibratórias causadas pela voz poderiam ser a fonte da maior parte de explicações para o surgimento de metáforas como “cantar na máscara” ou “colocar a voz na testa, no pescoço ou no nariz”. Para que essas sensações tivessem real utilização pedagógica e pudessem ser referência para a obtenção de uma impostação vocal saudável e eficiente, seria necessário que elas não variassem conforme o sujeito, a altura do som ou a mudança de vogais. Porém não é o que se observa na prática. Qualquer som suficientemente intenso quando propagado em um ambiente enclausurado causa vibrações nas paredes desse ambiente, seja ele saudável ou não, e essa seria a real causa para as vibrações no crânio, no pescoço e no peito dos cantores.”

Essa busca pela ressonância, sentir o som aqui e ali não traz necessariamente um ganho para o cantor, pelo contrário, ele pode encontrar a sensação que ele imagina que seja a que o professor diz de uma forma tensa e prejudicial a sua voz, porém, que agrade ao que lhe foi dito para fazer.

O texto ainda diz que o uso de imagens pode estimular a criatividade e o lado subjetivo do canto, como arte, potencializando o aprendizado do canto, mas deve estar sempre ligado a fisiologia, ao funcionamento muscular, deve sempre ter uma razão concreta de ser, e deve, principalmente, ser bem entendido e interpretado pelo aluno, evitando que a boa intenção se torne prejudicial.

Gosto de metáforas quando são criadas pelo próprio aluno, essas chegam cheias de significados reais e sensações pessoais, que eu jamais poderia imbutir neles, mas que servem de gatilhos para atingir ajustes desejados, são como frases que eles criam que resumem toda uma estrutura armada para cantar de determinada forma, e quando é feito assim, funciona bastante.

Assunto polêmico, que causa discussões intermináveis mas necessário para a evolução da arte e da pedagogia vocal.

Anatomia e fisiologia da voz. Preciso saber?

Anatomia é o estudo da estrutura, da forma, fisiologia é o estudo da função, no caso do canto, o estudo das estruturas que participam da voz e a função dessas estruturas, como elas trabalham e produzem o som.

OK, mas qual a importância disso? Preciso mesmo saber?

                       Visão da laringe por cima

Quando um professor vai ensinar a tocar violão, ele começa apresentando as partes dele, braço, trastes, rastilho, tarrachas, etc. Quando um baterista começa a tocar ele tem que saber onde é a caixa, o chimbau, o bumbo, o surdo, etc. Quem já viu um trompista escorrer a água que forma no instrumento quando toca?

Conheço muitos guitarristas e baixistas que quando terminam de tocar limpam as cordas, a guitarra e guardam seus instrumentos com cuidado, em seus cases ou bags. A guitarra ou baixo não fica encostada de qualquer maneira e recebe vários cuidados,junto com osmuitos pedais, pedaleiras ou racks de efeito. Bateristas investem em caixas melhores, pratos diferentes, tons de diversos tamanhos, sem contar os detalhes de peles de bumbo, bowbell, pedestais, etc.. Tecladistas estão sempre buscando por equipamentos para ter timbres melhores e novas possibilidades de sons e efeitos.

Isso por que eles conhecem a função de cada parte de seu instrumento, sabem como funcionam e o que deve ser feito para aprimorá-los e preservá-los, as pessoas vêem de fora e acham que é algum tipo de "frescura de músico", mas eles sabem da importância do que estão fazendo para entregar o melhor para o público.

Por séculos cantores não se importaram com o que é a laringe, se o músculo tireoaritenóideo faz isso, se ele tem uma ou mais funções, se os cricotireóideos fazem aquilo, quantos e quais são, ou mesmo se eles existem de fato, não se interessavam em saber a função dos músculos intercostais, véu palatino, massetéres, zigomáticos, reto abdominal, diafragma, esternotireóideo, aritenóideo, etc.

Felizmente essa mentalidade vem mudando, e cada vez mais existem interessados na anatomia e fisiologia vocal (como visto nos textos sobre a história da voz e do canto), e não para falar nomes difíceis e saber apontar onde é o que, mas para saber o que cada parte faz, como cuidar delas e como resolver problemas que cada uma tenha, por que é assim que transformamos o estudo da técnica vocal em algo fácil de compreender, dando sentido às coisas. É conhecendo o nosso instrumento que saberemos como desenvolve-lo, assim como faz um violinista, um trombonista, um maestro (que deve conhecer a música que regerá como ninguém), etc.

O conhecimento da função de cada estrutura envolvida no canto possibilita que o cantor encontre o problema exato que o impede de realizar aquela nota mais aguda, aquele som mais livre, um efeito como os drives, vibratos, melismas, realize o belting, o mix, etc.. Todos nós podemos fazer tudo isso, a diferença é que é muito mais fácil encontrar o que se procura quando se sabe o que se está procurando. Cantores não podem ver seus instrumentos funcionando, como os demais músicos, por isso, saber como cada som é produzido, se torna crucial para não perderem tempo tateando no escuro.

Isso significa que quem não conhece anatomia e fisiologia jamais cantará bem? Não, mas significa que quem conhece vai saber que quando osom não sai, não é porque não tem talento ou não é capaz de cantar, apenas precisa se esforçar e treinar de uma forma específica.

A história da voz e do canto - conclusões

A série de textos que conta o desenvolvimento das descobertas e técnicas do uso da voz e da fala que postei aqui no blog tem uma razão de ser, e ela é bem simples.

Muitos alunos ou interessados em aula de canto nunca treinaram, estudaram ou cantaram na vida e de repente resolveram que seria interessante começar, mas muitos deles acreditam, por ouvirem pessoas comentando, textos nos fóruns de internet, vídeos no youtube, amigo do amigo que falou, ou até mesmo "professor de canto" que disse que aula de canto não resolve, que para cantar é preciso nascer com o dom para aquilo, que é preciso ter um talento quase mágico para poder cantar bem.

Estudando a nossa história é possível compreender o porque dessa visão inatista que a arte em geral possui, e principalmente o canto. Por muitos e muitos séculos não se sabia como a voz funcionava, não se sabia de onde vinha e como poderíamos melhorá-la. Já culparam os deuses, demonios, os nervos, a força de vontade, a espiritualidade, a respiração, a capacidade de criar imagens abstratas e direcionar o som como se esse fosse um raio laser, um haduken, um meteoro de pégasus (ou um da paixão, hehe). Mas só mais recentemente que começaram a entender que a responsabilidade é da falta de controle que temos do nosso próprio corpo e a falta de condicionamento físico vocal.

Sabendo disso fica mais fácil entender que para cantar precisamos, em primeiro lugar, entender como nosso corpo trabalha e como podemos ajudar esse trabalho a acontecer e direcioná-lo para o que queremos.
Feito isso desenvolvemos a voz como um instrumento musical, que podemos ajustar, mexer aqui e ali, colocar efeitos, apromorar nossa técnica e por fim, usar essá-la como ferramenta para podermos expressar sentimentos e emoções de uma forma que toque aquele que ouve, que emocione quem for pego de surpresa pela nossa voz.

O talento para o canto é nada mais que a capacidade de compreender em que estágio desse controle corporal e vocal nós estamos e da força de vontade para não desistir de controlá-lo por completo. Não adianta ter pressa e querer pular etapas, o lado psicológico é determinante, o desenvolvimento é gradual e contínuo, se você não o atingiu é porque parou antes do que devia ou está seguindo pelo caminho errado.

Afirmo, com certeza, e a história e a ciência vocal vêm comprovando, que quem quer canta. Mas não posso dizer que será fácil ou difícil, isso depende de cada um. O papel do professor é ajudar e mostrar como o aluno pode trabalhar o que precisa, para isso o professor tem que se dedicar, estudar e entender que as coisas estão mudando e mudarão mais, mas quem vai ter que se dedicar mesmo é o aluno.
Conhecer a história também nos faz entender a visão ultrapassada de que o canto lírico seria a melhor, mais saudável e mais completa forma de estudar canto, portanto, que deveria ser o início de todo cantor. Se analisarmos os textos anteriores, veremos tratados sobre canto erudito desde o século XVI. Até o século passado, ninguém se interessava em pesquisar canto popular (como se fosse possível generalizar os ajustes utulizados em jazz, musical, rock, metal, sertanejo, gospel, blues, MPB, etc.), e esse período de dominação do canto lírico acabou gerando incontáveis preconceitos sobre o canto "não-lírico", e posso afirmar com alegria, que todos eles já foram quebrados pela ciência vocal, e todo professor de canto precisa estar atualizado para não disseminar ainda mais esses conceitos errados.

Lutar contra o senso comum é papel do bom pedagogo vocal e especialista em voz.