quinta-feira, 11 de outubro de 2012

"Cantar pelo diafragma"


Já escrevi aqui sobre suporte respiratório, mas cada vez mais eu continuo vendo coisas por aí do tipo “você tem que cantar pelo diafragma”, “você não chega no agudo por falta de apoio”, "precisa empurrar o diafragma", etc.

Vamos relembrar.
O diafragma é uma membrana muscular que “divide” o corpo em duas partes, abaixo (na cavidade abdominal) e acima (na cavidade torácica) das vísceras, ele está logo abaixo dos pulmões e cobrindo os órgãos do aparelho digestivo.
                                                                                  Ação diafragmática e intercostal

Sua função principal é contribuir com a respiração. Quando relaxado assume forma de cúpula, comprimindo os pulmões para cima expulsando o ar, e quando contraído o topo da cúpula abaixa empurrando as vísceras e esticando os pulmões para baixo. Esse alongamento dos pulmões faz com que a pressão de ar interna seja menor que a pressão externa fazendo com que o ar na atmosfera entre no nosso corpo (aí a razão para não precisarmos fazer força para puxar, sugar, o ar quando inspiramos), e o ciclo se completa com o diafragma relaxando e empurrando os pulmões para cima de volta, expulsando o ar. Ou seja, respiramos graça a ação do diafragma, constante e automática.

Outras ações causadas ou auxiliadas pelo diafragma são: tosse, espirro, parto, defecação e soluço, dependendo da força e do sentido do movimento, para cima ou para baixo.

O apoio diafragmático, ou respiratório, também chamado de suporte, se dá quando o diafragma está contraído (abaixado) e os músculos intercostais, auxiliados por toda uma estrutura em volta, composta por músculos abdominais, costais e até lombares, sustentam as costelas abertas, aumentando a capacidade da caixa torácica e impedindo que o diafragma relaxe suba novamente, expulsando o ar de uma vez só. É nessa hora que conseguimos controlar a saída de ar (importante para o canto, principalmente nos momentos mais intensos das músicas) e a pressão com que esse ar é expelido. Lembre-se, o ar sobe dos pulmões e faz a muscosa das pregas vocais vibrarem na laringe, aí entram em ação os músculos CT e TA controlando o tipo de som resultante (fraco, forte, leve, pesado, etc.).

Portanto, o controle dessa pressão é importantíssimo, pois, se for baixa, o ar não dará "combustível" suficiente para as pregas vocais agirem de forma plena (pouca ação dos músculos adutores, que fecham as pregas vocais e geram o som), e uma pressão mais forte do que o necessário causará constrição na laringe (aperto e possivelmente dor) pois elas não aguentarão a força enviada e isso causará tensão em toda estrutura que está envolta, gerada por mecanismos de compensação que o corpo acabará criando para "ajudar" o que não veio correto.
                                                                             Muita, muita pressão

Sabendo disso percebemos que o suporte aéreo, ou o controle do diafragma é vital para conseguirmos cantar sem forçar as estruturas envolvidas na produção da voz com um som satisfatório. Nós controlamos o diafragma (que tem ação involuntária o dia todo e voluntária quando queremos), e  os músculos ao redor, que vão ajudar no suporte pare que o diafragma não suba de uma vez (como na respiração), jogando todo o ar pra fora com força, que é o que ele foi programado para fazer desde o nosso primeiro fôlego.

Esse controle aéreo não é o único responsável pelo canto, e sim um fator que pode contribuir positiva ou negativamente para o bom funcionamento da laringe, e é lá que as coisas acontecem. Ser capaz de emitir um fluxo de ar constante e equilibrado é pré-requisito para manter o som homogêneo e os Modos de Fonação estáveis, evitando quebras indesejadas. Fazendo uma analogia, a respiração é a bomba de combustível do carro, sem ela o carro não anda, mas quem vai fazer o carro subir, descer, correr, andar, dar ré, etc. é o motor, e o motor é a laringe. Um vai facilitar a vida do outro, e nenhum vai resolver nada sozinho.

“Cantar pelo diafragma” é uma frase distorcida e possivelmente nociva, pois pode gerar tensões e forças desnecessárias, que podem contrair também a laringe, limitando o canto. Porém, essa imagem é compreensível quando se pensa na história do desenvolvimento e estudo do canto, coisa que já abordei AQUI, ou na sensação que muitos podem ter com as contrações musculares que acontecem na região ao tentar produzir os sons.