quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Por que não gosto da minha voz gravada?

Essa é uma questão bastante comum, e uma dúvida que faz todo o sentido.
Quando ouvimos nossa voz gravada pela primeira vez achamos muito esquisita simplesmente porque não é a voz que estamos acostumados a ouvir, e existem algumas explicações para isso.

Em primeiro lugar, quando falamos ou cantamos nosso ouvido capta o som de duas formas, pelo ar, o som que se propaga, e por condução óssea, o som que faz nosso corpo vibrar internamente. As outras pessoas e as gravações não captam nossa condução de som interna, apenas a que se propaga pelas partículas do ar.

Outra razão importante. Quando gravamos um som dependemos da qualidade de captação do microfone que estamos usando. Lembra dos textos sobre acústica, harmônicos, e etc?. No manual de todos os microfones existe um gráfico com sua “curva de captação de frequência”, que mostra quais frequências ele capta mais e quais capta menos. Se nossa voz é formada de uma série de harmônicos e o microfone não capta todos, ou não os grava da mesma forma, o que sairá na gravação é um som diferente não apenas do que ouvimos, mas também do que as outras pessoas ouvem.
Além disso, a maioria deles proporciona o que chamamos de "efeito de apromoximação", que amplifica mais os harmônicos graves da voz a medida que você canta mais perto da capsula, ou seja, quanto mais perto do mic, mais "cheia" sua voz vai soar, e isso é utilizado pra alterar o timbre da voz nas frases e notas cantadas.

Curva de resposta de frequência de um microfone, amplifica umas mais que outras. 
Complicado não é? Entendem agora a importância de um bom microfone, que se adapte perfeitamente à sua voz e ao tipo de som que você canta e emite? Já ouviu sua voz gravada no telefone ou no microfone do computador? Dá um aperto no peito, hehe.

Outro agravante aí é a caixa de som. Imagine que você se acostumou a sua voz gravada, utiliza um ótimo microfone, aí você pega essa gravação e ouve na casa de um amigo. Talvez você estranhe novamente a voz.

- Como assim? –

Cada caixa de som, amplificador, etc. reproduz o som gravado de uma maneira diferente. Atualmente muitas caixas, fones, etc. têm “corretores” de graves, que servem para deixar o som mais pulsante e a batida mais marcante (pense naquele carro que passou tocando um “batidão”). Daí a importância de uma gravação, mixagem e masterização bem feitas, utilizando monitores de áudio sem intervenções para “melhorar” o som e com um produtor/técnico de som com experiência, capaz de gravar sua voz de um jeito que saia bem, independente de qual dispositivo você utilizar pra ouvir.

Grave-se cantando sempre que possível e ouça bastante, você precisa se acostumar a esse “outro eu”, pois é ele quem vai aparecer em público. Procure ter seu próprio microfone, além da questão higiênica (evita babas alheias), ele te dará sempre o mesmo som. Se tiver banda, procure ter um técnico de som nela, ele poderá salvar sua vida, e, se não for possível, faça uma boa passagem de som para deixar sua voz sair como está acostumado nas apresentações.

Importante: um retorno de áudio vai bem também. Se você não se ouve direito no palco a chance de não cantar bem é enorme. Seu cérebro precisa dessa resposta auditiva para saber o que está fazendo, e é ela quem "regula" a voz. Cantar sem se ouvir prejudica violentamente o desempenho até de cantores profissionais do mais alto nível, e não é frescura ou desculpa furada, é como atirar flechas de olhos fechados...

Conto nos dedos de uma mão os locais onde já cantei e tive um retorno de som bom, e essa é a realidade no nosso país, infelizmente. Faça um esforço para ter seu próprio retorno, de preferência um monitor in ear (aqueles de fone).

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

O talento para cantar existe?

Durante o curso de especialização em voz no CEV – Centro de Estudos da Voz, surgiu uma discussão muito interessante, na aula da renomadíssima Dra. Ingrid Gielow, sobre o talento que quero compartilhar com vocês.

Os dicionários descrevem o talento como “capacidade, distinta aptidão, habilidade natural.

Inteligência; engenho.”, ou seja, quem possui talento para algo, consegue fazer esse algo de maneira mais fácil e natural, mas de onde vem esse talento?


As religiões podem tratar desse assunto de outra maneira, mas não é minha intenção discutir isso aqui, então vou falar do ponto de vista da ciência.

Estudo feitos com músicos, mostraram que existe uma área em seus cérebros que é maior que nas outras pessoas, um tal de Giro de Heschl, podemos chamar vulgarmente como a área do talento musical na nossa mente. Sabendo disso, eles foram pesquisar por que algumas pessoas têm essas áreas maiores que as outras e descobriram que... Sim, alguns nascem com um Giro de Heschl maior que os outros, ou seja, algumas pessoas tem maior facilidade para aprender e desenvolver a capacidade musical que outras.
Cérebro dos músicos tem maior atividade na zona do Giro de Heschl
Isso quer dizer que se meu Giro de Heschl é pequeno eu nunca sou um músico ruim? N verdade, se ele é pequeno provavelmente você nem está lendo isso aqui. Se seu Giro de Heschl for pouco desenvolvido sua capacidade musical será bastante limitada, mas aí vai uma boa notícia: Você não sabe se o seu é ou não desenvolvido. Outra boa nova: O cérebro produz neurônios e cria conexões durante toda a sua vida, então, se ele não nascer "músico", você poderá fazê-lo "músico". Até os 12 anos tudo o que entrar na sua cabeça será continuado com bastante facilidade quando envelhecer, principalmente até os 7. Na barriga da mãe o bebê já começa a receber estímulos que serão refletidos em seu desenvolvimento depois.

Agora, se você quer ser músico e nunca ouviu nem o “Parabéns Pra Você” até os 40 anos, fique feliz, você também poderá aumentar essa área no seu cérebro. Tem gente que começa a cantar com 70, 80. Talvez não dê tempo de se transformar no melhor cantor do universo (talvez dê), mas certamente, se estudar de forma correta, com persistência e desenvolvendo o que precisa ser desenvolvido você poderá SIM ser um ótimo cantor, vai depender só de você.

Um bom começo é treinar o ouvido, você precisa ouvir bastante música, ver shows, assistir vídeos, isso ajuda a desenvolver referências no cérebro pra quando você for tentar fazer. A percepção auditiva está diretamente ligada à capacidade de tocar/cantar. Beethoven era surdo, mas não nasceu assim...

Resumindo, músicos têm o Giro de Heschl maior no cérebro, mas não necessariamente elas nasceram maiores, elas ficam maiores a cada treino que você faz.


Em estudo recente, de fevereiro de 2015, o pesquisador Steven Demorest comparou alunos do jardim da infância até o fim do ensino fundamental e adultos, e concluiu que a habilidade de cantar pode ser aprendida com o tempo de prática e treino, e compara com um iniciante de violino, que soa mal no começo mas depois melhora, porém, a crença de que é preciso ter um talento especial para cantar desencoraja os iniciantes qando esses não ficam felizes com o som de suas vozes no começo. Demorest diz ainda que um cantor que parar de praticar vai perder, ou diminuir, sua qualidade.
Portanto, o que a ciência nos mostra é que a frase “não nasci pra isso” é mais um dos inúmeros mitos e lendas que envolvem o canto. Falta de tempo, vontade, motivação ou incentivo podem te impedir de cantar bem, "obra do destino" não.

Sempre digo aos meus alunos que algumas pessoas tem mais facilidade para aprender que outras, mas o que muda no final das contas é o tempo e dedicação que você precisa ter. Quem tem mais facilidade aprende mais rápido, e só, isso não limita de maneira alguma quem não tem esse "talento". Por outro lado, já vi muita gente com essa facilidade se acomodar e ficar parado no tempo sendo ultrapassado por pessoas determinadas.

Pense nisso, e desenvolva seu cérebro musical, VOCÊ PODE, ACREDITE!! 

Seu maior dom é a sua vontade!!